Istambul
(clicar em PLAY, p.f.)
chamamento para a oração em Istambul, recolha de áudio 2013
bem sei que era já noite
escura
lá, onde parece haver sempre luz e um
horizonte
fácil de imaginar por trás dos edifícios.
o contorno dos prédios era
nítido
recortado contra aquele azul impossível.
eu já nem sei a que cheirava o ar
nessa noite mas era morno e fazia
os corpos leves, até
o lixo amontoado nos contentores parecia leve.
havia sons de modernidade à solta
buzinas, motores, electricidade, trânsito
apressado, injustificado, noctívago.
e acima da agitação, a pairar como
um véu que convoca os mistérios mais antigos do Bósforo
ouvia-se o chamamento para a oração
cantado ininterruptamente de mesquita em mesquita
como se a cidade fosse um só templo e aquela sequência
uma passagem de testemunho feita pela voz de
homens provavelmente perdidos entre a fé e o existir.
as melodias espalhavam-se pelo céu de
Istambul e ali
na varanda das portadas
brancas, o meu peito
entregue ao vento e à geografia apetecida de uma solidão
que nunca
pareceu tão acertada.
Joana Manarte
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