quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Ground Control to Major Tom



Eles nunca tinham morrido, pois não? Os heróis das histórias.
Nada nos habitua à morte de um herói porque nunca foi preciso chorá-los.
E mais uma vez é ele que dá o primeiro passo.
Nada nos fez pensar antes na mortalidade de David Bowie.
Alguém que se passeava com aquele ar de imortal não nos deixou sequer equacionar isso.
E de repente acordamos com a notícia, emocionamo-nos antes de acabarmos de ler "Morreu David Bow..." até ao fim e depois somos apanhados outra vez de surpresa por nos emocionarmos assim tão a sério e percebemos que há aqui qualquer coisa assombrosa a acontecer.

Bowie entrou-nos pela vida real adentro como um herói intergaláctico que vem em nome do bem.
Ele é o mundo que todos temos que ver, de preferência com um olho de cada cor.

Parece ficção, mas estamos a falar do mundo da diversidade, da aceitação natural da diferença e do diferente, do desejo da multiplicidade, da transcendência, da introspecção, da irreverência, da festa, da inquietação, da força libertadora da indefinição, das cores, dos outros, da imaginação, do respeito, da mudança, da surpresa, da criatividade, da vida, da arte, da clarividência da pertença cósmica, da liberdade e do amor.

Bowie personifica a utopia máxima, o mundo onde cabem todos.
O lugar onde somos, finalmente, todos diferentes e todos iguais.

Há quem não conheça David Bowie, há quem o tenha conhecido agora, há quem o conheça, há quem o conheça muito bem e há quem nunca venha a conhecê-lo, mas somos todos melhores por causa dele. Ser excêntrico é estar fora do centro e ele não só saía do centro como criava um novo centro de gravidade para depois sair dele outra vez e assim sucessivamente e enquanto se transformava levava o planeta com ele e, sem darmos conta, mudou-nos a todos (mesmo aos que não sabem quem ele é) e à forma de nos vermos a nós próprios e de vermos os outros e de vermos o mundo.

Olhar para Bowie é olhar para um caleidoscópio que multiplica e distorce a realidade para nos hipnotizar por aí fora a coleccionar mais paisagens e mais pessoas.

A morte deve ser só mais uma persona, só mais um figurino estranho que vestiu para significar mais um universo inteiro. Ofereceu-nos um imaginário à volta da morte que dá vontade de a entender como continuação. Se bem percebi, primeiro esmaga-nos com o inesperado e a seu tempo há-de fazer com que a estranheza nos seja familiar. Por agora continuo a carregar nos botões todos da torre de controlo à escuta de um sinal vindo do espaço, mas já acho que lhe fica bem esta nova maquilhagem de Blackstar e o enorme cabelo brilhante onde arrasta o resto do cosmos.

Talvez nunca cheguemos a descobrir completamente o quanto dele temos em nós, mas quando soube da descolagem fui fotografar o espelho:
estávamos lá todos, sem excepção, entre as estrelas.

E eu nem conheço bem o David Bowie.


Joana Manarte