quarta-feira, 15 de abril de 2015

as manhãs deviam ser comboios a partir



(clicar em PLAY, p.f.)




"...os modos lentos do comboio não resultavam de incapacidade motora.
Eram, sim, gentileza. Uma afabilidade para com
essas pequenas mortes, que são as despedidas."

Mia Couto



as manhãs deviam ser comboios a partir.
talvez assim conseguíssemos saltar com a
vida inteira para o último vagão e
o último gesto já não fosse nosso.
a ter que ser nosso, que
fosse o movimento de uma nuvem
que fazes crescer devagar a embaciar
uma área pequena do vidro ou dos
meus olhos.
e quando essa nuvem
denunciasse que ali, naquela carruagem,
vai alguém que não sabe dizer adeus,
acabariam por saber do poema que
repetes à janela e que me encostas
aos olhos todas as manhãs
que deviam ser comboios a partir.


Joana Manarte