quinta-feira, 24 de setembro de 2015

a charada de Budapeste



(clicar em PLAY, p.f.)
Nincsen Penzem, Szkojáni Charlatans




Budapeste, Setembro 2015


Há coisas por resolver aqui.

Dir-se-ia que há uma cidade oculta
paralela
que conspira.

Dir-se-ia até que essa cidade
a que conspira
só vai existindo
como circunstância
do passeante que deixou cair a sensibilidade
no detalhe certo
à hora certa
e apercebeu-se que há qualquer coisa
a querer rasgar o papel de cenário
dos palácios e das casas tão grandes
que não cabem
nas fotografias
porque a monotonia imperial
não cabe em lado nenhum e mostra-se
em tons neutros que não se querem
comprometer com nada
que exija responsabilidade maior
do que deixar escoar os dias
desinteressadamente pelo Danúbio
como quem assobia uma valsa
por ter testemunhado crimes e dores
que prefere disfarçar com o pó
de arroz que traz nos bolsos
porque Budapeste é como um
romance policial
um jogo de sombra e luz e
palidez e cor e
surdina e grito
ou canção
que às vezes é a mesma coisa
é uma questão de o passeante deixar
cair a sensibilidade
no detalhe certo
à hora certa
e ouve-se de vez em quando a língua
que esbarra nas ruas sem pontuação
e que
talvez por isso
parece não ter fim
e parece também ser feita
das línguas de todas as civilizações
e a cidade desdobra-se em adivinhas
e apontamentos coloridos
perplexos e insistentes na vastidão deslavada
das paredes austro-húngaras
que em cima das histórias de opressão
e balas
e bombas
clamam também
outros outroras
outros pigmentos
outras danças
que hoje parecem querer voltar a erguer
os copos de pálinka
enquanto festejam no antigo gueto a
tal cidade que se anuncia na música cigana
que traz a alegria nostálgica dos carrosséis
e ressuscita a afirmação tímida
dos chapéus como território de ilusões
das varandas decrépitas como território de flores e
dos tectos sem forças como território de bicicletas
que iluminam o que para já acontece nos olhos
do passeante que deixa cair a sensibilidade
no detalhe certo
à hora certa
e que assim
se junta aos que conspiram
a favor
da tal revolução que fala
connosco pelas fachadas
e que nos alicia como
um cubo de Rubik
que nunca se resolve
porque quando acabamos
o jogo e damos a volta
ao cubo para confirmar a vitória
ficamos uma e outra vez irresolutos
ao vermos que em cada face
que jurávamos ser de uma só cor
aparece sempre
um quadrado em ruínas
que nos intriga o sorriso
e nos rouba a palavra que vem a seguir a
esta.


Joana Manarte