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Se eu soubesse falar de amor

Se eu soubesse falar de amor, falava de guarda-chuvas como o Kusturica. Sempre gostei de guarda-chuvas. Talvez goste ainda mais de andar à chuva, mas sempre gostei de guarda-chuvas e do universo particular que nasce de cada vez que se abre um. Ele usava um guarda-chuva para se proteger das balas de uma guerra que não acabava nunca e à custa de um burro ágil e de um tecto de nylon impermeável ao ódio escapava ileso daqueles desentendimentos de chumbo a céu aberto, onde as bombas se cruzam com os pássaros. Se eu soubesse falar de amor, falava do leite como o Kusturica. Em cima do burro transportava vasilhas de lata cheias de leite, que só podia ser amor em estado líquido. Então ele andava com aquilo de um lado para o outro e nós ficámos com a ideia de que ele estava a levar a todos o alimento certo, até porque também foi por causa do leite que ele conheceu o amor dela. Acho que de desde que a viu - quando ela estava a ordenhar a vaca - o leite ficou ainda mais carregado do...

Bica e João

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how deep is the ocean? how high is the sky? a partir de quando é que um nome consegue ser adjectivo? Carlos Bica & João Paulo Esteves da Silva Braga, 2016

as rosas não falam

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deve-se falar com as plantas dizem. são gravadores de rezas como os santos de barro. mas entre santos e flores é melhor conversar com flores. para além de não terem olhos fixos num sítio que nem a imaginação vê a linguagem dos aromas está muito mais perto do amor. queixo-me às rosas que bobagem...  as rosas não falam! simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti.* o que acontece com as flores fica entre as flores  mas uma pétala pode mais do que o silêncio dizem. Joana Manarte [*excerto de 'As rosas não falam', de Cartola]

our name is Prince

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este é um príncipe dos plebeus. e dos aristocratas. da comunhão de géneros e raças e classes. Prince não fala de libertinagem. esbanja libertação. a mestria com que brincou com o pecado soltou os grilhões a meio hemisfério colonizado por tabus. abatia a tiro os 7 capitais de cada vez que a tarola soava o PÁ! mais convicto de sempre e o sorriso solto de bom bandido brilhava em cima do palco como quem ostenta a certeza do groove mais perfeito da natureza. Prince é uma pistola de confetis e é de arma em punho que canta que toda a recta pode ser a curva mais sumptuosa da geometria dos corpos e numa espécie de narcisismo travesso que nos servia em bandeja apregoou mais respeito próprio e amor ao próximo do que qualquer livro de auto-ajuda ou catecismo de bom comportamento. Prince é completamente música e completamente festa e completamente para todos porque ele sabia que não há nada mais sexy do que a alegria. Prince não se consegue chorar. Prince...

Ground Control to Major Tom

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Eles nunca tinham morrido, pois não? Os heróis das histórias. Nada nos habitua à morte de um herói porque nunca foi preciso chorá-los. E mais uma vez é ele que dá o primeiro passo. Nada nos fez pensar antes na mortalidade de David Bowie. Alguém que se passeava com aquele ar de imortal não nos deixou sequer equacionar isso. E de repente acordamos com a notícia, emocionamo-nos antes de acabarmos de ler "Morreu David Bow..." até ao fim e depois somos apanhados outra vez de surpresa por nos emocionarmos assim tão a sério e percebemos que há aqui qualquer coisa assombrosa a acontecer. Bowie entrou-nos pela vida real adentro como um herói intergaláctico que vem em nome do bem. Ele é o mundo que todos temos que ver, de preferência com um olho de cada cor. Parece ficção, mas estamos a falar do mundo da diversidade, da aceitação natural da diferença e do diferente, do desejo da multiplicidade, da transcendência, da introspecção, da irreverência, da festa, da i...